O processo psicanalítico se dá pela posição em que o psicanalista se coloca, da escuta de uma subjetividade, no limbo onde as palavras, os suspiros e os ritmos fazem uma dança diferente do que o conteúdo de seus enunciados poderia nos fazer pressupor. É porque a palavra é destituída de seu valor comunicacional usual que o processo analítico se instala. Pela atenção flutuante do analista, que pode tê-la por seu próprio inconsciente analisado e da associação livre do paciente, constitui-se este limbo de uma outra cena, onde o desconhecido irrompe inesperadamente, revelando os contornos de um fantasma inconsciente que obstaculizava o livre curso do desejo, propiciando, em geral, um alívio muito grande no sofrimento que sente quem procura uma análise. Para a Psicanálise, é uma fantasmática que estrutura o comportamento da vida de cada ser, as estruturas fantasmáticas procurando se exprimir, encontrar uma saída para a consciência e ação e, por isso, seu material não é só feito da sexualidade infantil recalcada e, portanto, inconsciente, mas também de novos materiais que são atraídos a ele. O fantasma é tal qual um espantalho, composto de pedaços de coisas desconexas, cada um de um lugar, resíduos de frases escutadas, restos de imagens, uma espécie de montagem surrealista construída em cima de um pensamento simples e curto que por várias razões teve de ser reprimido. A interpretação psicanalítica visa dissipar o fantasma e nesse sentido o psicanalista é um caçador de fantasmas que, em sua posição, permite àquilo que é de outra cena, marcada pela sexualidade infantil, se manifestar. O processo psicanalítico é longo porque é longo o processo de constituição do recalque e, portanto, igualmente longo o processo de levantamento do recalque e dissipação do efeito doloroso do fantasma. A escuta psicanalítica percorre um árduo caminho para pulverizar o fantasma no vazio entre os corpos em que ele se instalou, restituindo-o a seus corpos de origem, para que, do vazio, possa renascer o desejo, prevalecer as forças de vida. É porque o homem ocidental teme o vazio, que o fantasma pode se instalar, dando uma impressão de continuidade ilusória entre os corpos, anulando imaginariamente os intervalos entre eles. Se o sentido s e desdobra numa multiplicidade e infinidade, a palavra, um dos instrumentos para atingi-lo, deve trazer nela a intenção simultânea e paradoxal de instalar o sentido e o não sentido, não mais pensado como vazio, mas sim, como um fluxo vivo que possibilita novas criações.
O inusitado da experiência psicanalítica faz com que se tenha a vivência da eficácia mágica da lenta cura pelas palavras. Em casos ou momentos mais difíceis, não só a palavra, mas outros recursos expressivos, os gestos, as produções artísticas, os escritos, os estados corporais e os atos.
A parceria da psicanálise com outros saberes
É inegável que a Psicanálise pode encontrar parceiros em outros saberes e que junto deles há muito o que explorar. É inegável, qualquer que seja o caminho que tomem neste todo indissociável corpo-alma, psique-soma humanos, que o remédio psiquiátrico, as terapêuticas advindas da Neurociência e Neurofisiologia, como também a Filosofia, a Religião, os florais de Bach e a Homeopatia, ajudam o homem em seu sofrimento. Se a novidade psicanalítica colocou em relevo o corpo erógeno, não foi sem esquecer que nas bordas deste está o suporte do corpo em seu funcionamento físico-químico-biológico e a capacidade sublimatória humana. É inegável a atuação de um remédio antipsicótico na melhoria do fluxo ideativo, de um anti-depressivo que, em certos casos, ao atuar nos neurotransmissores, traz possibilidades representacionais inéditas para alguns pacientes que começam, por exemplo, a sonhar, a associar, a cometer lapsos, saindo do imobilismo psíquico depressivo. A questão é colocar, muitas vezes, o remédio como eliminador de sintomas que podem ser incômodos, mas que podem ser benéficos ao trabalho psíquico, quando presentes em certo grau. É a ideologia da eliminação radical do sofrimento que contraria a constituição trágica do humano, na qual a dor é tão constitutiva do viver como o é a alegria. O que a Psicanálise oferece é a possibilidade de viver o sofrimento psíquico com um outro, para poder gradativamente se apropriar dos meios de suportá-lo e transformá-lo.
Um outro campo de parceria inequívoca é a chamada Psicossomática, que vem despertando enorme interesse, pelos desafios clínicos e teóricos que oferece tanto para o médico quanto para o psicanalista. É aqui que o paralelismo da alma e do corpo da filosofia de Spinoza ganha um novo contorno com a invenção do conceito de pulsão em Psicanálise, representante do soma na alma, e de um espaço psíquico que dá conta de suas manifestações.
Quando a pulsão não pode aceder ao trabalho simbólico, quando não pode se transformar em angústia, quando o conflito psíquico não pode se constituir, ela estoura no corpo de maneira mortífera. A doença se produz por uma cisão entre a psique e o soma. O tratamento médico deve, então, vir acompanhado por uma difícil tentativa de transformar o sofrimento orgânico em sofrimento mental o que produzirá possibilidades e sintomas menos mortíferos, passíveis de transformação, além de uma maneira de vivenciar o corpo, cuja percepção é profundamente rudimentar ou deformada, de outra maneira.
Renata Udler Cromberg
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