Sociedade de Estudo Psicanalítico Contemporâneo

... Confiabilidade, comprometimento, contentamento do cliente, transparência, ajustamento, ética e valorização do profissional, estas são as propostas da SEPC. Atuando como Referencia de nobreza da Psicanálise.

"A aceitação de processos psíquicos inconscientes, o reconhecimento da doutrina da resistência e do recalcamento e a consideração da sexualidade e do complexo de Édipo são os conteúdos principais da Psicanálise e os fundamentos de sua teoria, e quem não estiver em condições de subscrever todos eles não deve figurar entre os Psicanalistas".

Sigmund Freud



quarta-feira, 28 de abril de 2010

“ONDE HOUVER ID, HAVERÁ EGO”

  *       

          O centro do pensamento de Freud era que a subjetividade do homem é, de fato, determinada pelos fatores objetivos – Objetivos na medida em que se relacionam à própria consciência do homem – e que agem a revelia dele, por assim dizer, determinando-lhe pensamentos e sentimentos, e assim, indiretamente, seus atos. O homem, tão zeloso de sua liberdade de pensar e escolher, é na realidade, uma marionete movida pelos cordéis, atrás e acima dele, e que por sua vez são dirigidos por fatores desconhecido de sua consciência.
          Para dar-se a ilusão de que age segundo sua vontade, o homem inventa racionalizações que lhe dão a impressão de agir como age, por ter escolhido livremente a sua atitude, movido por motivos racionais ou morais. Mas Freud não conclui com uma nota de fatalismo, confirmando a incapacidade do homem em relação às forças que o determinam, e sim, que o homem pode adquirir consciência dessas forças que atuam a sua revelia – e com isso ampliar o âmbito de sua liberdade e transforma-se de um joguete movimentado por forças inconscientes, num homem livre e consciente, determinando seu próprio destino. Freud expressou esse objetivo nas palavras “ONDE HOUVER ID, HAVERÁ EGO”.
          Uma questão curiosa que não podemos deixar de lado é que todas essas características que julgamos naturais e inerentes ao ser humano são, na realidade, frutos de sentimentos reprimidos na infância, que concomitantemente reflete na fase adulta, sob a ação dos fatores: Antropológicos (FA), Biológicos (FB) e Psicológicos (FP). A finalidade da ação destes fatores é levar o indivíduo a ter um conceito inferior de si mesmo. Relembro o que diz o mestre Ariosto Mota: “A consciência deve dar ao indivíduo a noção de que ele deve lutar por si mesmo, visto que, ela existe não para tornar negra a sua vida interior, mas para libertá-lo. Se você não for por você quem será?”
                                                                                  (Oliveira, Jorge Luiz Souza de)

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A compulsão pelo poder


Em primeiro lugar, convido o leitor a deixar de lado a questão moralista que logo vêm à mente quando falamos sobre o tema da compulsão. Se desmembrarmos a palavra, temos o prefixo “com” seguido da palavra “pulsão”, que significa desejo. O desejo é a raiz da tenacidade, da vontade de lutar para conseguir algo. A Vontade de Poder no pensar de Winnicott, sábio psicanalista inglês, é um impulso constante e irrefreável, tomado como um paradigma de sentir-se vivo e o que nos move para realizar nosso propósito de sobrevivência. As pessoas que exercem papéis dominantes no mundo têm geralmente um imenso potencial de vida que pode conduzir a um perfil de tenacidade e de auto determinação. Tomemos o exemplo de empresários de vários setores da economia que construíram impérios num Brasil onde tudo era quase incipiente. Ou Barack Obama, que jamais teria vencido as eleições se não possuísse em certa medida um aspecto compulsivo, que o fez ser capaz de dormir apenas três horas por noite durante um mês inteiro de campanha.
        Mas, embora exista um lado positivo dos traços compulsivos, esse caminho varia bastante e pode eventualmente enveredar para um comportamento psicopatológico.  Isso se dá quando uma pessoa afunila o leque de possibilidades de realização de seu desejo. Para a psicanálise, é essencial investigarmos como se deram as primeiras experiências de afeto e de vínculo de um paciente, pois estas experiências serão pela vida afora os protótipos da noção do que é valoroso para cada si mesmo. De uma forma simples, a experiência do leite materno, valioso não só como alimento, mas como fonte de amor e carinho, deixa suas marcas como modelo do que se pode desejar e buscar.
A compulsão doentia caracteriza-se como uma busca frustrada de preenchimento de algum vazio afetivo. Como exemplo, um empresário pode usar sadiamente sua atividade profissional para preencher de alguma forma sua vontade de ser feliz. Mas se o trabalho for apenas um meio de dominação para sentir-se poderoso, este poder será vazio de satisfações mais profundas e consistentes. Nesse caso, o poder não é um alimento para a mente que acaba se estreitando pelas contínuas decepções e levando muitas vezes à completa desesperança . Mesmo pessoas que lideram grandes impérios podem entrar por essa via torta. Se observarmos a crise econômica atual, talvez ela tenha em suas raízes uma compulsão pelo dinheiro, com interesses unicamente financeiros, ultrapassando os limites do que é plausível.
As patologias ligadas a compulsões intensas não dependem da situação socioeconômica do individuo. As violências gratuitas são exemplos disso. Apenas talvez os mais ricos tenham mais meios de disfarce para o sofrimento, expressado então, em atos compulsivos, como compras exageradas, coleções de sapatos, de arte indiscriminada, de parceiros sexuais. Porem o preço que se paga nessa tentativa de apaziguamento da dor é muito alto, desde que vai afastando o sujeito, cada vez mais, de sua dor genuína. Também a necessidade de manutenção de uma boa imagem social é mais freqüente entre os das classes mais altas, ainda que não corresponda aos seus desejos genuínos. Dessa necessidade derivam vários dos comportamentos compulsivos atuais como exigências de boa silhueta, de não sofrimento, de sinais aparentes de riqueza etc.
Muitas vezes em nossos consultórios nos deparamos com pacientes que aparentam ser insensíveis à família, aos que os rodeiam ou à problemática social. O que existe de fato é muito sofrimento encoberto pela concepção de que seu status de poder seria abalado caso entrassem em contato com suas angustias, pois seriam dominados por suas sensibilidades afetivas em detrimento da realidade dos fatos e de suas racionalidades.  A experiência clinica demonstra o contrario, pois o processo analítico ao ampliar as ferramentas de sobrevivência também amplia as condições de maior desenvoltura financeira.
Os medicamentos disponíveis sem duvida facilitam o controle da angustia subjacente aos atos compulsivos, mas a meu ver o tratamento de pessoas com alto grau de compulsividade deve passar pelo resgate e revisão profunda dos meios utilizados para a obtenção do sentimento de poder de estar vivo assim como de melhor qualidade vida.   
Maria Olympia França é psicanalista, membro docente da Sociedade Brasileira de Psicanálise e representante na comissão de ética da IPA – International Psichoanalitical Association. Seu trabalho “Freud, Cultura Judaica e Modernidade” obteve o premio Jabuti 2004 na categoria Educação, Psicologia e Psicanálise. 

Por Maria Olympia França

O valor da educação afetiva


         Segundo a teoria psicanalítica, o ser humano é um subproduto das variadas relações que lhe sucedem desde seu nascimento e, segundo esta ótica analítica, as primitivas relações que marcam sua infância, são as mais significativas para formação de seu caráter.
          Os pais como agentes primários deste importante processo de montagem inter-pessoal, são os elementos mais importantes para que aja uma satisfatória adaptação do novo sujeito em formação. Em linguagem técnica dizemos que a criança precisará “internalizar de forma positiva” as imagens de seus pais, ou dizendo isso de outra forma, a vinculação fortemente afetiva que uma criança vivencia juntos aos seus pais lhe confere um forte senso de autoconfiança, assim, ao aprender confiar em seus pais, passa intimamente a confiar em si mesma.
          Ainda segundo a psicanálise, cada um dos pais influencia um aspecto importante da personalidade em formação; a mãe é o símbolo maior da vida afetiva, por isso, sua presença é vital para o equilíbrio emocional da criança; já o pai é o símbolo da relação que a criança deve ter com o mundo externo, o pai com sua presença afetiva é o elemento que dá acesso à lei, sua imagem é a representação da necessidade racional de se vincular a uma certa normatividade externa.
          Infelizmente, nossa vivência social é fortemente marcada pela dissolução familiar, cada vez mais mães solteiras são obrigadas à cumprir duplamente às funções materna e paterna. Logicamente, nem sempre o esforço feito pela mãe em suprir o modelo paterno dá resultado, a mesma por força de uma necessidade óbvia, acaba por se ausentar por muito tempo (visando sustentar economicamente a família), essa lacuna relacional quando muito prolongada traz conseqüências extremamente negativas.
          Uma pesquisa recente, divulgada pela Fundação Casa (antiga FEBEN), revela as conseqüências funestas da desestruturação familiar, bem como, insinuar claramente que há uma forte ligação entre a ausência da imagem paterna e o ingresso precoce na criminalidade. A referida pesquisa revela que em São Paulo, 51% dos menores infratores internados nas unidades da Fundação Casa não conviviam com o pai, também, a mesma pesquisa estabelece estatisticamente que a grande maioria dos menores infratores são do sexo masculino.
          No caso das meninas, um levantamento feito pela Casa do Adolescente, um órgão governamental que oferece orientação sexual aos jovens, estima que cerca de 40% das garotas atendidas pelo projeto, foram abandonadas pelos parceiros antes do nascimento do bebê e, grande parte dos que permaneceram juntos com as parceiras mais tempo, nem sequer visitaram a criança na maternidade.
          Lamentavelmente, as famílias mais pobres são as mais atingidas e, a desestruturação em série acaba por perpetuar a ausência do modelo paterno, desembocando enfim, na delinqüência infantil e na criminalidade.
          No entanto, o estudo citado indica que é cada vez maior a participação de jovens da classe média envolvidos com a marginalidade, isso justifica a idéia que diz que não é propriamente a pobreza o elemento principal na delinqüência juvenil (embora seja incontestável que tal situação sócio-econômica é um elemento agravante) e, sim, a carência afetiva sentida nessa fase tão importante para montagem pessoal.
          O próprio estilo capitalista é o maior fomentador da crônica desestruturação familiar contemporânea. É cada vez mais comum recebermos em nossos consultórios pais desatentos (para não dizer apáticos) em referência a educação familiar, os mesmos estão muito interessados em sua “realização profissional”; querem uma desejável estabilidade econômica para consumirem todas as mercadorias oferecidas pelo sistema, essa ânsia por um reluzente sucesso econômico, acaba por enfraquecer às relações afetivas, por fim, as famílias ficam cada vez mais ricas e estáveis financeiramente e, contraditoriamente, cada vez mais pobres e vazias afetivamente.
          É verdade que às vezes a separação é inevitável, porém, o fato dos pais não conviverem mais juntos não justifica a ausência afetiva de qualquer um dos dois (ou pior, os dois) na educação familiar. O processo de socialização primária, realizado no âmbito familiar é crucial para estabelecer as bases normais da personalidade considerada estável e produtiva.
          Escolher educar afetivamente nossos filhos se configura muitas vezes como um contra-senso frente à lógica vigente, afinal, ao escolher devotar mais tempo e afetos aos que nos são caros, muitas vezes perdemos “dinheiro”, ou valiosas oportunidades de ascensão profissional, porém, toda escolha existencial implica em certa “perda”, o que devemos mensurar é o que consideramos subjetivamente de maior valor.Entender bem a vivência infantil e dar suporte afetivo a criança, se configura certamente na melhor forma de ler no presente, o futuro da humanidade.