Mas a realidade é outra. Independente dos rumos que a vida pós-moderna
tenha tomado, a realidade com a qual tratamos as nossas questões amorosas, como
cada um sente, interpreta e vivencia, é antes traçada de acordo com a própria
subjetividade. Se para uns sofrer em uma relação amorosa não condiz com o seu
script subjetivo, para outros, essa experiência é atemporal.
Desde o século XII, na cultura ocidental, o discurso do amor sempre
esteve associado à dor, ao sofrimento e à promessa de felicidade. O que faz com
que esse tema, ainda hoje, esteja presente na literatura, nos filmes e nas
novelas?
Longe de ser tema só das ficções, sofrer em uma relação marcadamente
infeliz é algo muito comum. E o que talvez justifique as produções artísticas é
que a paixão tem estrutura de ficção, é uma construção da fantasia e, portanto,
atemporal.
Na fase da paixão, o que vemos é a pessoa desejada transformada em
alguém perfeito e “sob medida”. Com o tempo, esse “delírio” tende a acabar e o
que aparece é o outro como ele é, com qualidades e defeitos. Já as relações que
crescem para o amor, no entanto, ultrapassam o “delírio” da completude para
aceitar os defeitos, erros e as fraquezas do outro. Diferente da paixão, o amor
não visa o outro como objeto, mas como ser.
Mas existem as relações que se mantêm no registro da paixão – palavra
que vem do latim passionis e significa passividade, sofrimento intenso e
prolongado, afeto violento. São relações que não saíram do registro imaginário.
A marca da ambivalência entre amor e ódio oscila como em um pêndulo.
O amor como paixão imaginária tem a peculiaridade de ser um amor que
deseja ser amado. O que é visado nesse “amor” é o aprisionamento do outro. O
que é buscado já está traçado em uma espécie de roteiro imaginário no qual o
outro tem a obrigação de corresponder. É um jogo inconsciente em que, para um
ficar em uma posição idealizada, precisa manter o outro, que também se mantém
em uma posição de carência.
O jogo está montado. Como é impossível que algo dessa ordem se sustente,
entra em cena, então, o sofrimento. Não um sofrimento que termina por se
resolver, mas que tem como característica não ter solução e, portanto, não ter
fim. “Sofro pra te fazer interessante” – é a posição do que sofre para, através
do sofrimento, manter a relação. Talvez se o sofrimento cessasse, a relação
terminaria. É o sofrimento que mantém o interesse, o que caracteriza uma
maneira destrutiva de se relacionar. A busca de mudar o outro se torna
devocional.
Por não conseguir renunciar a dor emocional, viver sem esse
relacionamento é sentido como morte. O sofrimento é a energia investida em uma
espécie de obsessão, em uma teimosia cega, que topa pagar qualquer preço,
exceto o preço de uma separação.
Ás vezes é até possível que não seja uma separação de fato, mas uma
separação interna, subjetiva.
Fátima Rabelo-Psicanalista