Em primeiro lugar, convido o leitor a deixar de lado a questão moralista que logo vêm à mente quando falamos sobre o tema da compulsão. Se desmembrarmos a palavra, temos o prefixo “com” seguido da palavra “pulsão”, que significa desejo. O desejo é a raiz da tenacidade, da vontade de lutar para conseguir algo. A Vontade de Poder no pensar de Winnicott, sábio psicanalista inglês, é um impulso constante e irrefreável, tomado como um paradigma de sentir-se vivo e o que nos move para realizar nosso propósito de sobrevivência. As pessoas que exercem papéis dominantes no mundo têm geralmente um imenso potencial de vida que pode conduzir a um perfil de tenacidade e de auto determinação. Tomemos o exemplo de empresários de vários setores da economia que construíram impérios num Brasil onde tudo era quase incipiente. Ou Barack Obama, que jamais teria vencido as eleições se não possuísse em certa medida um aspecto compulsivo, que o fez ser capaz de dormir apenas três horas por noite durante um mês inteiro de campanha.
Mas, embora exista um lado positivo dos traços compulsivos, esse caminho varia bastante e pode eventualmente enveredar para um comportamento psicopatológico. Isso se dá quando uma pessoa afunila o leque de possibilidades de realização de seu desejo. Para a psicanálise, é essencial investigarmos como se deram as primeiras experiências de afeto e de vínculo de um paciente, pois estas experiências serão pela vida afora os protótipos da noção do que é valoroso para cada si mesmo. De uma forma simples, a experiência do leite materno, valioso não só como alimento, mas como fonte de amor e carinho, deixa suas marcas como modelo do que se pode desejar e buscar.
A compulsão doentia caracteriza-se como uma busca frustrada de preenchimento de algum vazio afetivo. Como exemplo, um empresário pode usar sadiamente sua atividade profissional para preencher de alguma forma sua vontade de ser feliz. Mas se o trabalho for apenas um meio de dominação para sentir-se poderoso, este poder será vazio de satisfações mais profundas e consistentes. Nesse caso, o poder não é um alimento para a mente que acaba se estreitando pelas contínuas decepções e levando muitas vezes à completa desesperança . Mesmo pessoas que lideram grandes impérios podem entrar por essa via torta. Se observarmos a crise econômica atual, talvez ela tenha em suas raízes uma compulsão pelo dinheiro, com interesses unicamente financeiros, ultrapassando os limites do que é plausível.
As patologias ligadas a compulsões intensas não dependem da situação socioeconômica do individuo. As violências gratuitas são exemplos disso. Apenas talvez os mais ricos tenham mais meios de disfarce para o sofrimento, expressado então, em atos compulsivos, como compras exageradas, coleções de sapatos, de arte indiscriminada, de parceiros sexuais. Porem o preço que se paga nessa tentativa de apaziguamento da dor é muito alto, desde que vai afastando o sujeito, cada vez mais, de sua dor genuína. Também a necessidade de manutenção de uma boa imagem social é mais freqüente entre os das classes mais altas, ainda que não corresponda aos seus desejos genuínos. Dessa necessidade derivam vários dos comportamentos compulsivos atuais como exigências de boa silhueta, de não sofrimento, de sinais aparentes de riqueza etc.
Muitas vezes em nossos consultórios nos deparamos com pacientes que aparentam ser insensíveis à família, aos que os rodeiam ou à problemática social. O que existe de fato é muito sofrimento encoberto pela concepção de que seu status de poder seria abalado caso entrassem em contato com suas angustias, pois seriam dominados por suas sensibilidades afetivas em detrimento da realidade dos fatos e de suas racionalidades. A experiência clinica demonstra o contrario, pois o processo analítico ao ampliar as ferramentas de sobrevivência também amplia as condições de maior desenvoltura financeira.
Os medicamentos disponíveis sem duvida facilitam o controle da angustia subjacente aos atos compulsivos, mas a meu ver o tratamento de pessoas com alto grau de compulsividade deve passar pelo resgate e revisão profunda dos meios utilizados para a obtenção do sentimento de poder de estar vivo assim como de melhor qualidade vida.
Maria Olympia França é psicanalista, membro docente da Sociedade Brasileira de Psicanálise e representante na comissão de ética da IPA – International Psichoanalitical Association. Seu trabalho “Freud, Cultura Judaica e Modernidade” obteve o premio Jabuti 2004 na categoria Educação, Psicologia e Psicanálise.
Por Maria Olympia França
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ResponderExcluirJorge Luiz, gostei muito do seu post. Acho que essa "doença" está presente na maioria da sociedade, inclusive nas pessoas que detêm o proprio poder (como comentado). Diante disso gostaria de saber quais as dicas para ajudar alguém próximo que esteje nesse quadro clínico a procurar ajuda?
ResponderExcluirKatia Isabel