A
Psicanálise é ao mesmo tempo um modo particular de tratamento do desequilíbrio
mental e uma teoria psicológica que se ocupa dos processos mentais
inconscientes; uma teoria da estrutura e funcionamento da mente humana e um
método de análise dos motivos do comportamento; uma doutrina filosófica e um método
terapêutico de doenças de natureza psicológica supostamente sem motivação
orgânica. Originou-se na prática clínica do médico e fisiologista Josef Breuer,
devendo-se a Sigmund Freud (1856-1939) a valorização e aperfeiçoamento da
técnica e os conceitos criados nos desdobramentos posteriores do método e da
doutrina, o que ele fez valendo-se do pensamento de alguns filósofos e de sua
própria experiência profissional.
A
formulação da Psicanálise representou basicamente a consolidação em um corpo
doutrinário de conhecimentos existentes, como a estrutura tripartite da mente,
suas funções e correspondentes tipos de personalidade, a teoria do
inconsciente, o método terapêutico da catarse, e toda a filosofia pessimista da
natureza humana difundida na época. Além de alicerçar-se - como método
terapêutico, nas descobertas do médico austríaco Josef Breuer, como doutrina
tem em seus fundamentos muito do pensamento filosófico de Platão e do filósofo
alemão Arthur Schopenhauer. No entanto, ao serem esses conhecimentos
incorporados na Psicanálise, foi aberto o caminho para um número grande de
conceitos subordinados que eram novos, como os de atos sintomáticos, sublimação, perversão, tipos de personalidade,
recalque, transferência, narcisismo, projeção, introjeção, etc. A
psicanálise constituiu-se, por isso, em um modo novo de abordar as condições
psíquicas correspondentes a estados de infelicidade e a comportamentos antissociais,
e deu nascimento ao tratamento clínico psicológico e psiquiátrico moderno.
A
extraordinária popularidade da psicanálise poderá, talvez, ser explicada, em
parte, pela sua ousada concepção da motivação humana, ao colocar o sexo -
objeto natural de interesse das pessoas e também sua principal fonte de
felicidade, como único e poderoso móvel do comportamento humano. O mundo
civilizado, pouco antes chocado com a tese evolucionista de que o homem
descendia dos chimpanzés, já não se surpreendia com a tese de que o sexo
dominava o inconsciente e estava subjacente a todos os interesses humanos. A
novidade foi recebida com divertido espanto e prazerosa excitação. Em que pese
os detalhes picarescos de muitas narrativas clínicas, a abordagem do sexo sob
um aspecto científico, em plena era vitoriana, representou uma sublimação (para
usar um conceito da própria psicanálise) que permitiu que a sexualidade fosse,
sem restrições morais, discutida em todos os ambientes, inclusive nos
conventos. Essa permeabilidade subjetiva confundiu-se com profundidade
científica, e a teoria foi levada a aplicação em todos os campos das relações
sociais, nas artes, na educação, na
religião, em análises biográficas, etc. Porém, a questão da motivação
sexual foi causa de se afastarem do círculo de Freud aqueles que haviam
inicialmente se entusiasmado pela psicanálise como método de análise do
inconsciente, entre eles Carl Jung, Otto Rank, e Alfred Adler que decidiram por
outras teses, e fundaram suas próprias correntes psicanalíticas. No seu todo, a
psicanálise foi fortemente contestada por outras correntes, inclusive a da
fenomenologia, a do existencialismo, e a da logoterapia de Viktor Frankl.
O
pensamento de Freud está principalmente em três obras: "Interpretação dos
Sonhos", a mais conhecida, que publicou, em 1900; "Psicopatologia da
Vida Cotidiana", publicada em 1901 e na qual apresenta os primeiros
postulados da teoria psicanalítica, e "Três Ensaios sobre a Teoria da
Sexualidade", de 1905, que contem a exposição básica da sua teoria.
Em
"Mal Estar na Civilização", publicado em 1930, Freud lança os
conceitos de culturas neuróticas, mais os conceitos de projeção, sublimação,
regressão e Transferência. Em "Totem e Tabu (1913/14)” e "O Futuro de
uma Ilusão" (1927) expõe sua posição sobre a religião. Os postulados da
teoria são numerosos, e seu exame completo demandaria um espaço muito extenso.
Importância
do instinto sexual. Freud notou que na maioria dos pacientes que teve desde o
início de sua prática clínica, os distúrbios e queixas de natureza
hipocondríaca ou histérica estavam relacionados a sentimentos reprimidos com
origem em experiências sexuais perturbadoras. Assim ele formulou a hipótese de
que a ansiedade que se manifestava através dos sintomas (neurose) era consequência
da energia (libido) ligada à sexualidade; a energia reprimida tinha expressão
nos vários sintomas neuróticos que serviam como um mecanismo de defesa
psicológica. Essa força, o instinto sexual, não se apresentava consciente
devido à "repressão" tornada também inconsciente. A revelação da
"repressão" inconsciente era obtida pelo método da livre associação
(inspirado nos atos falhados ou sintomáticos, em substituição à hipnose) e pela
interpretação dos sonhos (conteúdo manifesto e conteúdo latente). O processo
sintomático e terapêutico compreendia: experiência emocional - recalque e
esquecimento - neurose - análise pela livre associação - recordação -
transferência - descarga emocional - cura.
Estrutura
tripartite da mente. Freud buscou inspiração na cultura Grega, pois a doutrina
platônica com certeza o impressionou em seu curso de Filosofia. As partes da
alma de Platão correspondem ao Id, ao Superego e ao Ego da sua teoria que
atribui funções físicas para as partes ou órgãos da mente (1923 - "O Ego e
o Id").
O Id, regido pelo
"princípio do prazer", tinha a função de descarregar as tensões
biológicas. Corresponde à alma concupiscente, do esquema platônico: é a reserva
inconsciente dos desejos e impulsos de origem genética e voltados para a
preservação e propagação da vida...
O Superego,
que é gradualmente formado no "Ego",
e se comporta como um vigilante moral. Contem os valores morais e atua como
juiz moral. É a parte irascível da alma, a que correspondem os
"vigilantes", na teoria platônica.
Também
inconsciente, o Superego faz a
censura dos impulsos que a sociedade e a cultura proíbem ao Id, impedindo o indivíduo de satisfazer
plenamente seus instintos e desejos. É o órgão da repressão, particularmente a
repressão sexual. Manifesta-se á consciência indiretamente, sob a forma da
moral, como um conjunto de interdições e de deveres, e por meio da educação,
pela produção da imagem do "Eu ideal", isto é, da pessoa moral, boa e
virtuosa. O Superego ou censura
desenvolve-se em um período que Freud designa como período de latência, situado
entre os 6 ou 7 anos e o inicio da puberdade ou adolescência. Nesse período,
forma-se nossa personalidade moral e social (1923 "O Ego e o Id").
O Ego ou o Eu é a consciência, pequena parte da vida psíquica, subtraída aos
desejos do Id e à repressão do Superego. Lida com a estimulação que
vem tanto da própria mente como do mundo exterior. Racionaliza em favor do Id, mas é governado pelo
"princípio de realidade", ou seja, a necessidade de encontrar objetos
que possam satisfazer ao Id sem
transgredir as exigências do Superego.
É a alma racional, no esquema platônico. É a parte perceptiva e a inteligência
que devem, no adulto normal, conduzir todo o comportamento e satisfazer
simultaneamente as exigências do Id
e do Superego através de compromissos
entre essas duas partes, sem que a pessoa se volte excessivamente para os
prazeres ou que, ao contrário, imponha limitações exageradas à sua
espontaneidade e gozo da vida.
O Ego é pressionado pelos desejos
insaciáveis do Id, a severidade
repressiva do Superego e os perigos
do mundo exterior. Submete-se ao Id,
torna-se imoral e destrutivo; submete-se ao Superego, enlouquece de desespero, pois viverá numa insatisfação
insuportável; e se não se submeter á realidade do mundo, será destruído por
ele. Por esse motivo, a forma fundamental da existência para o Ego é a angústia existencial. Estamos
divididos entre o principio do prazer (que não conhece limites) e o principio
de realidade (que nos impõe limites externos e internos). Tem a dupla função
de, ao mesmo tempo, recalcar o Id,
satisfazendo o Superego, e
satisfazer o Id, limitando o poder
do Superego. No indivíduo normal,
essa dupla função é cumprida a contento. Nos neuróticos e psicóticos o Ego sucumbe, seja porque o Id ou o Superego são excessivamente fortes, seja porque o Ego é excessivamente fraco.
O
inconsciente, diz Freud, não é o subconsciente. Este é aquele grau da
consciência como consciência passiva e consciência vivida não reflexiva,
podendo tomar-se plenamente consciente. O inconsciente, ao contrário, jamais
será consciente diretamente, podendo ser captado apenas indiretamente e por
meio de técnicas especiais de interpretação desenvolvidas pela psicanálise...
Rubem Queiroz Cobra
Doutor em Geologia e
bacharel em Filosofia
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