sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Paixão


          Há muito pouco tempo os cientistas associaram a feniletilamina (um dos mais simples neurotransmissores conhecidos) com a paixão, pois a mesma já havia sido identificada há aproximadamente um século. Esta é uma molécula natural semelhante a anfetamina e suspeita-se que sua produção no cérebro possa ser desencadeada por eventos tão simples nas situações de flerte (trocas de olhares, por exemplo) e nos momentos de toque e carícias com outro ser humano.
          Normalmente o cérebro de uma pessoa apaixonada contém grandes quantidades de feniletilamina, e esta substância pode responder, em grande parte, pelas sensações e modificações fisiológicas que experimentamos quando estamos apaixonados em uma contínua estimulação. Dessa maneira, no início do relacionamento, e aqui me refiro a paixão, há sensação que emerge é a de um perfeito bem-estar. O casal sente necessidade de permanecer junto grande parte do tempo, senão, todo tempo, afinal, precisam ficar juntos para se conhecerem, amarem-se. Nesse período, pouco importa a personalidade de cada um, caem as defesas, o raciocínio temporariamente suprimido para muitas análises no que se refere ao outro se torna oblíquo e viesado, hiperdimensionando suas qualidades e subestimando suas falhas. A sensação pode ser de amor à primeira vista. Um outro dado interessante é que a feniletilamina existe em altos níveis no chocolate, o que fez com que alguns cientistas procurassem dar explicações racionais para esclarecer o porquê as pessoas compram chocolates para suas amadas.
          As associações primevas entre a feniletilamina com a paixão tiveram início com uma teoria proposta pelos médicos Donald F. Klein e Michael Lebowitz, do Instituto Psiquiátrico Estadual de Nova Iorque. Há outros neurotransmissores que podem estar envolvidos nos estados relacionados à paixão e seus efeitos. A Dra. Donatella Marazziti, psiquiatra da Universidade de Pisa, acredita que pessoas os apaixonados estejam num quadro semelhante a um Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). Inegavelmente, a paixão e o Transtorno obsessivo-compulsivo compartilham diversos aspectos comuns. E isto não é meramente uma teoria sem fundamentos: "ambos estados associam-se a baixos níveis cerebrais de serotonina, uma substância química fabricada pelo corpo que nos ajuda a lidar com situações estressantes". Uma segunda descoberta do trabalho da Dra. Marazziti e não menos importante merece ser mencionada: bebidas alcoólicas também diminuem os níveis de serotonina no cérebro, por exemplo, fornecendo a ilusão de que a pessoa do outro lado da danceteria de onde você se encontra é o grande amor da sua vida. Logo, cuidado com as noitadas e os excessos no consumo de álcool, pois, você pode dormir com o príncipe, ou ainda, com a princesa dos contos de fada e acabar acordando com o cavalo, ou ainda, com a própria bruxa.
          A antropóloga da Universidade Rutgers e autora do livro “Anatomia do amor”, Helen Fisher, demonstrou que os sintomas provocados pela paixão, como a euforia, a falta de sono, ou ainda, de apetite estão associados a altos níveis de dopamina e norepinefrina, estimulantes naturais do cérebro.
          Outros estudos apontam que os seres humanos são biologicamente programados para se sentir apaixonados entre 18 a 30 meses. Em um levantamento que contou com a ajuda de cinco mil pessoas de 37 culturas diferentes, foi descoberto que a paixão possui um "tempo de vida", tempo longo o suficiente para que o casal se conheça, copule e reproduza. Depois disso, este sentimento evolui para emoções mais brandas, ou ainda, cada componente da díade tem a opção de migrar para um outro relacionamento recomeçando todo o ciclo. Dessa forma, compete ao casal continuar ou não no relacionamento, promovendo-o a um novo estágio, como novos investimentos e novos graus de compromissos. Em caso de permanecerem unidos e voltados um para o outro, se habituarão a manifestações mais brandas de afetividade como o companheirismo e a tolerância. É isso o que concebemos enquanto amor, ao menos, do ponto de vista fisiológico.
          Dificilmente, a paixão resiste a mais de dois anos. Pode-se dizer, então, que geralmente estar com o(a) mesmo(a) parceiro(a) por mais de dois anos seja um forte indício do é amor presente cimentando a relação. Tanto a dopamina quanto a feniletilamina estão relacionadas com as endorfinas. E endorfinas viciam. E como todo vício, produz síndrome de abstinência quando somos privados. Todo o sofrimento pelo qual passamos quando levamos um fora do objeto de nossa paixão nada mais é do que síndrome de abstinência.
          Entretanto, apesar de todas as pesquisas e descobertas, ainda paira uma sensação de que a evolução, por algum motivo, deu-se no sentido de que surgisse o amor não-associado à procriação, quem advoga esta teoria, fundamentada em muitas de suas pesquisas é a antropóloga Helen Fisher. Calcula-se que isso deva ter acontecido há aproximadamente 10.000 anos e que tenhamos herdado este legado amoroso. Dessa forma, os homens passaram realmente a amar as mulheres, não como mera reprodutoras, e algumas destas passaram a olhar os homens como algo mais além de provedores para o sustente de si mesmas e de suas proles.
          Até que se prove o contrário o amor é um aspecto inerente da espécie humana; talvez os animais também sejam capazes de amar, ou pelo menos de se apaixonarem, antropomorficamente falando, mas, não possuam meios para verbalizarem seus afetos. E desde o nascimento, um hormônio secretado pela hipófise e que nas mulheres também estará relacionado à estimulação da lactação e o desencadeamento das contrações uterinas é aquele relacionado com as primeiras formas de apego do ser humano, entre os novos seres viventes e seus cuidadores. Ao longo do tempo estes, transferirão tais vínculos para outros parceiros nos quais investirão seu amor. Assim, novamente reiniciraá todo o processo de produção para novas quantidades do peptídeo oxitocina que regerá, não mais o apego parental, mas, o novo investimento entre parceiros que decididamente permanecerão juntos com laços estáveis de companheirismo. Este hormônio sensivelmente diminuirá os efeitos do estresse do ambiente e também estará relacionado a uma melhoria do sistema imune e conseqüentemente a uma melhor qualidade de vida nos seres humanos que se beneficiarão diretamente e indiretamente do vínculo constituído.
          Aparentemente, contrastando-se paixão ao amor, à primeira vista, parece que a paixão leva muitas vantagens devido aos seus arroubos românticos e porque geralmente relacionados o amor aos exemplos cotidianos que conhecemos e que relacionamos a divórcios, separações, infidelidades, dentre outras inúmeras situações. Mas, não nos enganemos. A despeito desses exemplos, eles não se constituem uma amostra representativa da realidade, muitos estudos afirmam que casais que permanecem juntos (por exemplo, em casamentos) estão aparentemente protegidos contra eventos adversos da vida, ou ainda, situações como doença, pobreza, ou a perda de familiares. Acontecimentos esses que provavelmente uma pessoa apaixonada, dada a efemeridade da paixão, provavelmente preferirá não permanecer para dar suporte de qualquer natureza. Neste sentido, os parceiros que se amam acabam atuando como uma equipe em sinergia para o bem em comum. Dessa forma, segundo alguns autores relacionamentos de longo prazo atuam como um recurso social e psicológico que ajudaria as pessoas a resistirem melhor às possíveis perdas e às adversidades.

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